spot_img
InícioTecnologia & StartupsSite promete rastrear placa de qualquer carro e gera suspeita

Site promete rastrear placa de qualquer carro e gera suspeita

Serviço oferece imagens de câmeras que mostram carros circulando no Brasil “usando inteligência artificial”

Imagine poder saber o trajeto exato que um determinado veículo fez, incluindo os locais pelos quais passou, o horário e o destino final. A oferta, que mais parece obra de ficção vinda da série Black Mirror, apareceu para muitas pessoas em anúncios patrocinados nas redes sociais nas últimas semanas. O destino é um site registrado nos Estados Unidos há cerca de dois meses.

Chamado RastreiaPlaca, o website promete investigar “o histórico do veículo com precisão cirúrgica”, fornecendo “acesso imediato a fotos, datas e vídeos”. Um tanto assustador, não? Entre os detalhes oferecidos, estão fotos nítidas do automóvel em questão, datas e horários exatos e endereço preciso onde está localizado.

A empresa, que não tem nenhum dado de CNPJ publicado, diz que tem “muitas câmeras” com inteligência artificial em todo Brasil e que seriam todas privadas. “O Rastreia Placa não utiliza câmeras públicas em hipótese alguma”, diz a página da empresa, que cita atuar em 19 dos 27 estados do país.

Serviço gera polêmica por solicitar dados sensíveis, selfies e documentos de clientes — Foto: Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

custo para ter acesso ao suposto relatório é de R$ 150. Ainda de acordo com a empresa, as informações chegariam ao e-mail do interessado depois que este preenche um longo cadastro com dados sensíveis, incluindo fotos de documentos e selfies.

Serviços não prestados

Foi assim que Claudia Gonzales, de 22 anos, fez para tentar rastrear o carro da cunhada que havia sido roubado. Ela reclama que fez todo o cadastro e o pagamento, mas não teve o serviço prestado. Pior: alega que seus acessos à plataforma foram bloqueados após pagar a taxa cobrada pela Rastreia Placa.

“Eles liberam uma senha [de acesso], pedem para autenticar com documento e foto, e depois dizem que a conta está bloqueada”, afirma. Por questões de segurança, Claudia não quis revelar o local onde o roubo ocorreu nem sua profissão, ou o modelo do veículo.

Foto: Getty Images

As mensagens enviadas pela empresa para Claudia vieram todas de um telefone com DDD 48, de Santa Catarina (SC), que não responde às mensagens via WhatsApp nem atende a ligações. No Instagram, onde a empresa oferece seus serviços, comentários de usuários denunciando a não prestação do serviço e até uma possível fraude são sistematicamente apagados.

Outra cliente que reclama do serviço é Simey de Souza, analista contábil de Goiânia (GO). Ela procurou a empresa para tentar achar sua moto furtada em fevereiro de 2023, pagou pelo serviço, mas não recebeu o relatório.

“Estou na luta para cancelar a compra”, diz Simey, que procurou suporte da empresa, mas não obteve retorno. Ela diz estar preocupada, já que mandou fotos de documentos (e de seu rosto) para a empresa.

Prática é contra a lei?

Para Alexander Coelho, advogado especialista em direito digital e sócio do Godke Advogados, a venda das imagens dos carros em si só não seria ilegal caso o dono do automóvel autorizasse a divulgação dos dados.

“Em tese, a placa é pública, mas quando estou querendo imagens e geolocalização, isso pode ser considerado [acesso a] dados pessoais sensíveis. A LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais] diz que é necessário que essa empresa tenha consentimento do dono do veículo para essa finalidade”, alerta.

Um caso que poderia ser considerado violação da LGPD foi relatado por uma influenciadora digital na rede social TikTok. Nathany Rodrigues, que diz ser advogada, relata que uma cliente a procurou após ter descoberto uma suposta traição do marido depois de rastrear o carro dele pelo site em questão.

Risco de fraude

O especialista também elenca sinais de que se trata de uma possível fraude, já que o site não está registrado no Brasil e os dados que ele pede dos possíveis clientes são sensíveis.

Com selfies e imagens de documentos, como foi pedido a Claudia Gonzales e Simey de Souza, é possível, por exemplo, abrir contas em bancos digitais, pedir empréstimos e fazer financiamentos. “Eles podem até mudar a senha de uma conta e ter acesso ao dinheiro da pessoa”, afirmou.

O advogado recomenda que quem tenha sido prejudicado pelo uso indevido dos seus dados junte o máximo de provas possíveis e abra um boletim de ocorrência, além de procurar a instituição bancária onde tenha ocorrido a fraude.

Caso não consiga reverter, a pessoa deve procurar um advogado especializado em crimes digitais e entrar com uma ação contra a empresa. “O que vai ser difícil, já que não há dados registrados no Brasil”, afirmou Coelho.

A RastreiaPlaca foi procurada pela reportagem. Pelo Whatsapp, a empresa diz que prioriza a confidencialidade dos dados e que tem um processo rigoroso, incluindo a verificação dos antecedentes criminais de clientes. Tanto Simey quanto Claudia dizem que não foram informadas dessa checagem.

Leia a íntegra da nota

“Agradecemos por entrar em contato e apreciamos a oportunidade de esclarecer eventuais dúvidas. Em relação aos relatos recebidos, gostaríamos de ressaltar que a segurança e confidencialidade dos dados são prioridades em nossos serviços.

Para garantir a integridade das informações sensíveis relacionadas aos veículos, implementamos um processo de análise de identidade rigoroso para todos os clientes que desejam realizar consultas. Esta medida visa proteger tanto a privacidade dos usuários quanto a legalidade de nossos serviços, incluindo a verificação de antecedentes criminais.

É importante destacar que, conforme mencionado em nosso site, não podemos garantir o sucesso de todas as consultas, uma vez que a obtenção de relatórios de fotos está sujeita a diversas variáveis. A transparência é fundamental em nossa abordagem, e nos esforçamos para fornecer informações precisas sobre a natureza do serviço.”

Notícias mais lidas