Lúcia Camargo Nunes
Aos poucos o mercado automotivo se recupera da crise causada pela pandemia. Pelo segundo mês consecutivo, as vendas de veículos seminovos e usados apresentaram alta. Em julho, a evolução foi de 52%, em relação a junho. O acumulado do ano ainda é negativo em -30,5%, mas com tendência de melhora. “A persistir esse movimento positivo da retomada de negócios, teremos alcançado o patamar normal verificado antes da pandemia ainda em agosto”, observa Ilídio dos Santos, presidente da Fenauto (federação que representa 48 mil revendedores no país).
Na primeira quinzena de março, a média diária era de 60 mil unidades. Nos primeiros dias de julho, a média diária de transferências estava abaixo de 40 mil unidades. Já na quarta semana de julho, a média subiu para 54 mil. “Isso sinaliza que o setor de usados está em processo de recuperação mais acelerado do que o do zero-quilômetro”, avalia Santos. “Nesta primeira semana de agosto, em todo o Brasil, vendemos apenas 5% a menos do que vendemos na primeira semana de março, que foi muito boa”.
O setor foi puxado pelos carros com mais de nove anos de uso. Os usados maduros (nove a 12 anos) tiveram crescimento de 73% em julho em relação ao mês anterior. O índice é próximo dos modelos com mais de 12 anos, os “velhinhos”, que tiveram alta de 70%. Os chamados usados jovens (de quatro a oito anos de uso) tiveram aumento nas vendas de 42,6%; e os seminovos (até três anos), 17,6%.
Bons ventos na Bahia
Na Bahia, os negócios estão acima da média nacional. No acumulado de janeiro a julho de 2020, as vendas de automóveis seminovos e usados no estado sofreram queda de -17,1%, em relação ao mesmo período de 2019. No Brasil, a queda foi de -32,2%. No mês de julho de 2020, comparando com julho de 2019, na Bahia houve crescimento de 8,5% nas vendas, ao passo que no Brasil houve queda de -18,6%.
“Os carros mais procurados são acima de oito anos. Isso ocorre porque as pessoas querem evitar o transporte público ou de aplicativo. E esses modelos mais antigos seriam uma forma de se deslocar com mais segurança”, afirma o presidente da Fenauto.
Para o executivo, o que acontece muito neste momento é a chamada “troca com troco”. “Quem tem um carro novo e precisa de capital troca por um mais usado. Hoje temos vários tipos de negociação”.
No mercado baiano, a Assoveba, associação que reúne os lojistas de seminovos, enxerga uma recuperação muito boa, em função da facilidade da negociação por financeiras e revendedores, e mesmo durante os 70 dias fechados, alguns lojistas não sentiram uma retração tão severa, porque trabalharam online. Outro fator positivo é que desde a semana passada, as lojas e auto shoppings voltaram a funcionar também aos sábados, das 10h às 16h.
Surpresa boa
“Estamos surpreendidos positivamente com a retomada, imaginávamos que poderia haver uma demanda reprimida, quando retornamos em junho. Mas, para nossa surpresa, a boa procura seguiu, tivemos um julho excelente e agosto surpreende também. Mas a maioria dos lojistas comenta a dificuldade de reposição de estoques”, indica Daniela Peres, diretora da Assoveba, que também é gerente-geral do Auto Shopping Itapoan.
A maioria dos lojistas negocia com as concessionárias, que recebem o seminovo na troca do novo, e um movimento forte do consumidor final que revende seu carro diretamente com os lojistas independentes, segundo Daniela. “Vemos muito da troca com troco. E, além disso, as financeiras estão facilitando com a renegociação de dívidas com descontos”.
Para Daniela, os lojistas tiveram de se “reinventar” porque o modelo mudou. Ainda assim, apesar das buscas online, a compra é sempre concretizada de forma presencial. “Ainda é indispensável ver o carro, depois que decide qual será. Mas nossas visitações online cresceram de forma significativa. Até lojistas que eram avessos à tecnologia tiveram que aprender com a dor”.
De acordo com a executiva da Assoveba, nota-se entre os consumidores pessoas que compram seu primeiro carro. “Tínhamos aquela tendência de uso de carro por aplicativo, e por causa da pandemia decidiram comprar por conta da segurança. O crédito também melhorou, com taxas reduzidas. Hoje um seminovo tem juro a partir de 0,59%, o que é inédito na história, e continuamos até o final do mês sem cobrança de IOF. Ou seja, aquela pessoa que não tinha condição em adquirir um veículo começa a ver essa possibilidade”.
O sócio-diretor do Auto Shopping Rodrigues, André Coutinho, constata que a pandemia trouxe a tendência de uso dos meios digitais para as negociações nesse mercado, que se recupera. “Existe uma demanda reprimida pelos três meses de lojas fechadas. Vemos também pessoas que iriam viajar, que tinham outros planos, e estão usando esse dinheiro para trocar de carro. Notamos um aumento de procura por seminovos, porque falta carro novo no mercado. Temos que buscar carros em outros estados. Acredito que a economia vai retomar e as vendas se recuperam até dezembro”, afirma Coutinho.
Fenauto fortalece parceria com locadoras de automóveis
A Fenauto tem as locadoras como parceiras, que são as maiores fornecedoras de seminovos aos lojistas. Contudo, faltam veículos novos para fazer essa reposição de frota. “A engrenagem precisa funcionar. As montadoras produzirem, as concessionárias terem carros novos à venda para terem seminovos. As locadoras nos fornecem muitos carros”, explica Ilídio dos Santos, presidente da entidade.
As grandes locadoras – Localiza, Unidas e Movida – viram tanta oportunidade neste “filão” de seminovos que possuem até lojas próprias. As pequenas locadoras, nem tão estruturadas, têm maior carência para negociar seus seminovos. Para dinamizar e otimizar o processo de desmobilização de frotas, a AutoAvaliar, plataforma de gestão de estoque e de vendas de veículos usados, firmou uma parceria com a Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla), por meio de uma área exclusiva chamada Auto Frotas. “Diante do atual cenário desafiador que estamos vivendo, com esta parceria, as locadoras terão acesso à área exclusiva da plataforma AutoAvaliar, responsável por mais de 180 mil transações por ano, além de mais de 30 mil potenciais compradores do Brasil, tudo isso com segurança, rentabilidade e confiabilidade”, explica J.R. Caporal, CEO da AutoAvaliar.
Do lado das locadoras, que “alimentam” o mercado para lojistas e concessionárias, Paulo Miguel Júnior, presidente da Abla, afirma que nem elas possuem estoques. “Não temos carros à venda porque, durante a pandemia, as locadoras, grandes e pequenas, venderam parte da frota para se adequar ao momento. Então, agora elas estão sem estoque para revender. O mercado de seminovos está aquecido, as locadoras tiveram uma boa retomada e estão alugando também frotas para empresas”, indica Miguel Júnior, que reforça que 60% das vendas de ativos das locadoras são para lojistas e concessionárias.
Estoques em baixa
De acordo com a Abla, as locadoras estão com diversos pedidos nas montadoras, que ainda não têm carros suficientes para suprir o varejo e as vendas diretas, e a previsão é que em outubro consigam normalizar se não tiverem problemas maiores com a pandemia.
“O mercado de aplicativos está retomando com boa velocidade. Conforme diminuem as restrições, as pessoas voltam a circular e o transporte por aplicativo funciona para quem não pode ter um carro próprio e quer fugir de aglomerações do transporte público”, diz o presidente da Abla.
E há ainda uma nova demanda por aluguéis. “O carro por assinatura, que era algo que vinha crescendo, agora tem incremento maior por pessoas que, em vez de comprar um carro ou entrar numa dívida, buscam a utilização mensal. Elas procuram locação mensal neste momento, enquanto a pandemia não termina e aguardam a vacina, então alugam mensalmente”, afirma Miguel Júnior.