Às vésperas de completar 50 anos, maior locadora da América Latina troca de presidente, perde valor de mercado e vê a fusão com a Unidas ser contestada no Cade pela maior concorrente.
Prestes a completar seu cinquentenário, a mineira Localiza, a maior locadora de veículos da América Latina, vive um dos mais importantes processos de mudança de sua história. Em paralelo aos ajustes internos necessários para atravessar a crise econômica instalada pela pandemia – que resultou em redução de frota, renegociação de contratos com empresas e corte de despesas –, nas próximas semanas a companhia estará sob nova direção, com a escolha dos acionistas pelo executivo Bruno Sebastian Lasansky para o cargo de diretor-presidente. Lasansky, que assume a função em 27 de abril, interromperá o ciclo do comando de seus fundadores, os irmãos Salim e Eugênio Mattar, e enfrentará de imediato o desafio de concluir o processo de fusão da empresa com a Unidas, em análise no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que pretende criar a Locamerica. O atual presidente, Eugênio, vai para a presidência do conselho.
Não será, muito provavelmente, uma rota tranquila para Lasansky. Na segunda-feira (8), a concorrente Movida, do grupo JSL, pediu ao órgão regulador a reprovação do negócio. A rival apresentou um parecer de Kenys Menezes Machado, ex-superintendente adjunto do Cade, que aponta um alto risco de concentração envolvendo a Localiza e a Unidas. Juntas, Localiza e Unidas terão 70% da frota nacional de locação e quase 75% do faturamento do setor de rent a car. Atualmente, a Movida detém 15% de market share. Machado aponta ainda que juntas, Localiza e Unidas, teriam mais capacidade de “exercer práticas que podem gerar uma alocação indesejável (distorção) de recursos no mercado e, assim, prejudicar a concorrência por meio do exercício do poder de mercado, resultando em aumentos de preço e redução da qualidade dos serviços prestados, entre outros.”
As empresas chegaram a valer, somadas, mais de R$ 63 bilhões na B3. O valor de mercado, no entanto, caiu para R$ 53 bilhões depois da desvalorização dos papeis na semana passada. No dia em que a Movida protocolou sua contestação no Cade, as suas duas rivais lideraram as perdas da bolsa na segunda-feira, com queda de 8,3% e 7,5%, respectivamente. Procurada pela reportagem, a Localiza não concedeu entrevista por estar em período de silêncio até a segunda metade de abril. Já a Movida informou que só vai se manifestar nos autos do Cade. No entanto, em live promovida pelo site InfoMoney, na terça-feira (10), o CFO da empresa, Edmar Lopes, disse que a companhia mudou de postura ao analisar o negócio. “Num primeiro momento, a gente disse que não iria nos opor, mas recebemos questionamentos de investidores, clientes e fornecedores, e mudamos de ideia.”
Nos bastidores, o clima na sede da Localiza, em Belo Horizonte, é de apreensão. Um executivo da empresa, que pediu para não ter o nome revelado, afirmou que a empresa já considera rever alguns pontos da fusão, como tornar independente a divisão de terceirização de frotas, para convencer o Cade a dar sinal verde para o negócio. “Uma concentração de mais de 70% de mercado é difícil de passar pelo Cade e, por isso, será preciso avaliar alternativas para desatar o nó dessa aprovação”, disse a fonte. Segundo ele, houve também uma pressão maior dos investidores e conselheiros para que o sobrenome Mattar deixasse o dia-a-dia da companhia. A avaliação é que, embora esteja afastado das funções administrativas da Localiza, a participação do fundador, Salim, no governo de Jair Bolsonaro, como secretário especial de desinvestimento e desestatização, até o ano passado, gerou ruídos sobre o posicionamento político da empresa. “A desvinculação de fundadores e membros das famílias na gestão das empresas é uma tendência global em empresas que estão aprimorando seu compliance”, afirmou o consultor Rodrigo Motta, especializado no setor de M&A.
Nas próximas semanas, a resistência sobre a fusão da Localiza com a Unidas tende a crescer. Na capital paulista, o vereador Marlon Luz (Patriotas), mais conhecido como Marlon do Uber, lançou na quinta-feira (11) uma mobilização dos motoristas de aplicativo, que respondem por 20% da receita do setor, contra a união das duas empresas. Por causa da pandemia, as ações serão nas redes sociais e no YouTube. “Esta possível fusão representa uma grande perda para o mercado de locações, principalmente para a nossa classe dos motoristas de aplicativos”, disse o vereador. “O motorista de aplicativo será refém das decisões, valores e políticas de um mercado que se tornará muito restrito”, afirmou. Dados da Associação Brasileira de Locadoras de Automóveis (Abla) apontam que são cerca de 120 mil veículos dedicados a mobilidade por app apenas em São Paulo.
REPERCUSSÃO A ofensiva da Movida para melar o casamento das concorrentes pegou de surpresa o mercado. Na avaliação do Credit Suisse, a notícia é negativa para os investidores que detêm papeis RENT3 e LCAM3. “Esperávamos que a Movida tivesse uma postura mais neutra. No entanto, acreditamos que isso não mudará significativamente a probabilidade de aprovação de fusão e aquisição”, disseram os analistas. O Bradesco BBI também reconheceu que a Movida surpreendeu. “A teleconferência de resultados do quarto trimestre deu alguma pista de como a Movida sustentará sua opinião para convencer o Cade a rejeitar a fusão Localiza-Unidas. Esta é uma transação complexa de fusão e aquisição e, em nossa opinião, um parecer final pode ser revelado no final de 2021”, afirmaram os analistas do BBI. “Por outro lado, o fato de montadoras como Volkswagen, FCA e Toyota oferecerem leasing operacional para pessoas físicas pode mostrar que a concorrência está aumentando no setor de aluguel de carros.”
Fonte: ISTOÉ Dinheiro