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Montadoras acabam com descontos das vendas diretas

A cada dez automóveis de passeio vendidos no Brasil em 2020, quatro foram pela modalidade de vendas diretas, aquelas voltadas a frotistas, taxistas, produtores rurais, Pessoas com Deficiência (PcD), microempresários e Microempreendedores Individuais (MEI). No segmento de comerciais leves (picapes, furgões e vans), elas foram maiores ainda: de cada dez modelos emplacados, quase sete foram pelas vendas diretas.

Os números de 2020 só não foram maiores por causa da escassez de veículos, em virtude das paralisações das fabricantes por causa da pandemia. Em 2019, a venda direta da fábrica foi responsável por 41,22% dos emplacamentos dos carros de passeio e 71,04% do total de vendas dos comerciais leves. No ano passado, 39,4% e 66,13%, respectivamente.

Até o ano passado, clientes com CNPJ, por exemplo, conseguiam generosos descontos na compra de um veículo zero-km nesta modalidade. A diferença para o varejo é que o veículo é encomendado diretamente à fábrica (a concessionária só intermedia o negócio), em um número limitado de modelos e versões, assim como seus descontos, escolhidos pela fabricante.

Cadê as vantagens?

Mas essa realidade mudou. Atualmente, quem procura por um modelo em nome de empresa enfrenta dificuldades. O assunto é delicado para a maioria das montadoras: procuradas, apenas uma respondeu de forma mais clara à reportagem.

Chevrolet e Renault não retornaram às solicitações sobre quais modelos e descontos oferecem atualmente. FCA (Fiat e Jeep) respondeu que não dá informações sobre vendas diretas. A Volkswagen foi vaga: disse que trabalha em condições comerciais perenes para os clientes que possuem CNPJ e que 100% do portfólio está disponível. O desconto médio praticado e o prazo de entrega variam de acordo com o modelo e o volume.

A única mais direta foi a Nissan. Por meio de sua assessoria de comunicação, informou que concede descontos que chegam a 12% no Kicks, 7% no Novo Versa, 9% no VDrive e 16% na Frontier. Os prazos variam de entrega imediata a 90 dias, dependendo de cada modelo e versão.

A educadora e jornalista Carla Aragão vem desde dezembro procurando um modelo zero-km com desconto, para comprar via CNPJ. Ela procurou carros mais populares, em torno de R$ 45 mil, e buscou descontos para a compra via pessoa jurídica. “Quando fiz consultas às concessionárias sobre os descontos, escutei que isso não existia mais”, afirma Carla.

Entre suas buscas estão Renault Sandero e Chevrolet Onix. “Foram várias ligações às concessionárias aqui de Salvador e recebi informações desencontradas, de que esses valores não são fixos, oscilam. Fui informada de que não há mais essa política para nenhum carro e, quando encontrei algo, o máximo era de 5 ou 10% de desconto. Foi bem confuso o processo, fiquei sem entender o que acontece”, diz a educadora. Com tanta desinformação, Carla agora quer comprar um modelo seminovo para sua empresa, com preço que caiba no seu bolso.

Locadoras e frotistas são os mais afetados pelo fim dos generosos descontos
Locadoras e frotistas são os mais afetados pelo fim dos generosos descontos

Não será como antes

O consultor de vendas diretas de uma concessionária afirmou que os descontos hoje são maiores para comerciais leves, mas não voltarão aos mesmos patamares praticados em outros tempos. “Neste momento que a montadora está com dificuldade de produção, só atende taxistas e PcD. Para produtor rural e frotista só temos carros mais simples”, revela.

O desconto nessa loja varia de acordo com a fidelidade do cliente à marca. Quanto mais carros ele adquiriu no último ano, maior será o desconto. Ainda assim estão tímidos, de 3 a 5%. “Não será mais como antes, aqueles 20%”, diz o consultor.

Outro especialista ligado a concessionárias, diz que algumas marcas nem abrem mais descontos para CNPJ. “Lançamentos, por exemplo, não entram. Uma VW Amarok V6, o consumidor só vai achar no showroom, sem desconto. Não tem na venda direta.”

De acordo com essa fonte, hoje a decisão é brigar por rentabilidade em detrimento do market share. “As montadoras estão mais voltadas a fazer resultado do que volume. Por isso, elas tiraram o pé de produzir carros com descontos. Dificilmente o consumidor vai achar VW T-Cross no PcD a R$ 70 mil. A mesma coisa a Chevrolet. Oferecem carro mais completo com desconto de IPI e não de ICMS”, diz.

Por isso, quem perde são os consumidores de carros de entrada. “Tenho informações de que a Fiat parou de fabricar o Mobi básico. Você só encontra a versão top. Se a matéria-prima está escassa, eles vão preferir colocá-la numa Toro. Tudo pela rentabilidade”, esclarece o especialista.

Forças de mercado

Para o economista Raphael Galante, a pandemia obrigou a uma otimização da produção. “Falta carro e a partir disso, entre a venda direta com desconto excessivo ou a venda saudável financeiramente, a decisão é vender onde mais ganha dinheiro, o que não é a venda direta. Por essa modalidade, a montadora precisava produzir um mínimo para manter a fábrica”, explica.

São as forças de mercado. “Se a montadora quiser produzir mais volume de um carro e não conseguir vendê-lo, ela opta pela venda direta, com desconto. Hoje, elas estão com nível de produção baixo. A venda direta com desconto perdeu o atrativo, porque a montadora se esquivou do ‘tenho que produzir’. A montadora quer ser rentável, mesmo que seja menos volume, ela quer vender melhor”, ressalta o economista, que completa: “Vai preferir vender para quem ela ganha mais. A venda direta é quando tem excesso de produção, o que não é o caso agora.”

Impactos da Ford

Outro aspecto apontado por Galante foi o fechamento das fábricas da Ford no Brasil, uma vez que Ka e Ka Sedan eram carros muito demandados por venda direta. “As cerca de 90 mil unidades anuais do Ka vão migrar para a Chevrolet, com o Onix, por exemplo. Se a própria GM já está com dificuldade de atender sua demanda, imagine com essa migração.”

E esse panorama vai se manter até o meio do ano. “Talvez mude no segundo semestre, quando houver insumos e aumento de volume de carros. Os descontos voltam, mas não se sabe em qual proporção: vai depender do quanto vão produzir e o quanto o mercado estará aquecido”, conclui o economista.

Por Lucia Camargo Nunes

Fonte: A Tarde

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