Como briga de R$ 360 mi ameaça revenda de carros ‘baratos’ de locadoras
O governo de São Paulo comprou uma briga com locadoras de veículos e cobra R$ 360 milhões de ICMS referentes à venda de mais de 48 mil automóveis, entre 2018 e 2020, efetuada por lojas de seminovos de empresas do setor no Estado.
De acordo com a Secretaria da Fazenda e Planejamento paulista, no período locadoras faturaram mais de R$ 2 bilhões com as operações, sobre os quais incidirá cobrança de alíquota de 18%, mais multas e juros.
O órgão estadual menciona decisão de agosto do STF, alegando que o Supremo Tribunal Federal “julgou constitucional a incidência do imposto na venda de automóveis que integram o ativo imobilizado de locadoras”.
Já as locadoras dizem que cumprem a legislação e também citam a decisão da Suprema Corte, apontando que ela “reconhece a incidência do ICMS apenas nas vendas de veículos com menos de 12 meses de aquisição da montadora”
O julgamento ao qual as partes se referem aconteceu no início de agosto, quando os ministros indeferiram mandado de segurança da Localiza, que postulava a isenção de ICMS antes do prazo de um ano. De fato, o Supremo estabeleceu a constitucionalidade da cobrança para vendas antes dos 12 meses – mas não se pronunciou sobre transações posteriores a esse prazo.
UOL Carros conversou com Vitor Manuel dos Santos Alves Junior, subcoordenador de Fiscalização, Cobrança, Arrecadação, Inteligência de Dados e Atendimento da Secretaria da Fazenda de São Paulo.
Segundo ele, todos os automóveis sobre os quais o imposto é cobrado são emplacados em Minas Gerais e as lojas responsáveis pela venda não têm inscrição estadual em São Paulo nem emitem nota fiscal.
Alves Junior destaca que as transações não configuram mero repasse de ativos fixos após determinado tempo de uso e, sim, comércio – sem recolhimento de ICMS na aquisição dos veículos novos das montadoras, com descontos expressivos, nem em sua posterior venda e alienação, por valores abaixo daqueles praticados pelo mercado.
“Os veículos adquiridos pelas locadoras diretamente das fabricantes seriam ativos fixos. É como se fossem o forno de uma padaria, uma ferramenta de trabalho. Quando essa atividade era focada exclusivamente na locação, e acontecia esporadicamente uma venda ou outra de ativos, havia a concordância de que era como vender um eletrodoméstico usado. Não seria uma prática comercial recorrente, com incidência de imposto”, contextualiza.
“Porém, a partir do momento em que, nos últimos anos, essas empresas começam a mostrar nos respectivos balanços que seu faturamento advém majoritariamente da revenda de veículos, sua atividade fim não é mais locação. É revenda de veículos e temos como comprovar isso”, diz o funcionário da Secretaria da Fazenda.
Alves Junior aponta que “a locadora compra o veículo zero a preço de custo, em uma escala maior, sem recolher ICMS, e faz concorrência desleal com os demais players do mercado”, que arcam com os impostos.
“Algumas dessas empresas nem locam mais. É só revenda de carros, com estrutura profissional, showroom, loja física, sem inscrição estadual e emitindo recibo e não nota fiscal. Tudo para burlar o fisco”.
O servidor informa que foi necessário fazer uma pesquisa, por meio de contato com os proprietários dos automóveis, para saber onde eles foram adquiridos – já que as transações não emitem nota, dificultando seu rastreamento.
Locadoras se defendem
Questionamos as locadoras a respeito da iniciativa do governo de São Paulo.
Por meio nota conjunta, assinada pela ANAV (Associação Nacional de Empresas de Aluguel de Veículos e Gestão de Frotas), pela ABLA (Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis) e pelo Sindloc-SP (Sindicato das Empresas Locadoras de Veículos Automotores do Estado de São Paulo), a categoria nega qualquer ilícito.
“As entidades esclarecem que a atividade fim das locadoras é o aluguel de carros. Os veículos alugados são vendidos para que a frota das empresas seja renovada e continue a oferecer a seus clientes um serviço de excelência. Tais vendas respeitam o entendimento recente do STF”, mencionando o prazo de 12 meses.
Vitor Manuel dos Santos Alves Junior salienta que a cobrança do ICMS não contraria a decisão do Supremo e avalia que o período de um ano é “mero capricho processual”, por estar mencionado no pleito realizado pela Localiza.
“O voto do ministro Alexandre de Moraes deixa muito claro isso. A partir do momento em que o ativo fixo não é mais a atividade fim da empresa, não é mais usado para locação, passou a ser uma mercadoria, independentemente de prazo”
R$ 11 milhões de IPVA
Intitulada Nomas, a mesma operação da Secretaria da Fazenda e Planejamento está cobrando R$ 11 milhões de IPVA do exercício de 2019 referentes a 5,6 mil veículos de locadoras – todos emplacados em Minas Gerais.
Esse é um expediente comum à maioria das empresas do segmento, conforme já noticiado por UOL Carros. Em Minas, a alíquota do imposto é de 1%, metade do valor cobrado por São Paulo. Além disso, alguns municípios concedem outros benefícios para incentivar as locadoras a registrarem seus carros e respectivos domicílios fiscais em Minas Gerais
Alves Junior afirma que, embora esses carros tenham registro no Estado mineiro, na realidade eles rodam exclusivamente em São Paulo.
O subcoordenador diz ter provas disso, obtidas por meio do cruzamento de informações provenientes de radares e inteligência artificial.
“Comprovamos que esses mais de 5.000 veículos ficaram aqui em São Paulo durante o exercício de 2019. Então, o domicílio a ser considerado desses veículos é aqui. A gente vai cobrar por entender que é um imposto devido para São Paulo e não para Minas Gerais”.
As empresas proprietárias dos automóveis já foram ou serão notificadas, informa, para que forneçam o contraditório.
Caso não apresentem provas em contrário e não recolherem o IPVA, serão inscritas na dívida ativa.
Na hipótese de pagarem o tributo, terão de pedir reembolso ao governo mineiro – que foi questionado pela reportagem, mas não se pronunciou.
A mesma nota enviada pelas locadoras diz que “sobre o IPVA, as associações reforçam que o STF fixou o entendimento de que esse imposto é devido ao Estado onde as empresas mantêm a sua sede ou domicílio tributário, o que é observado pelas associadas”.
Tudo indica que uma disputa judicial entre as partes vem aí.
Por Alessandro Reis
Fonte: UOL