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Análise de experiências pontuais de carsharing de veículos elétricos na Europa e no Brasil

Diante da necessidade de um elevado investimento para a aquisição de um veículo elétrico individualmente pelo consumidor, as soluções de compartilhamento (e-carsharing) se mostram mais promissoras, ao diluir o investimento entre diversos usuários do serviço, mediante o aumento da taxa de utilização dos veículos

I – Introdução
Diante da necessidade de frear o aquecimento global, diversas ações têm sido implementadas para diminuir as emissões de gases do efeito estufa (GEE). Uma importante resposta a estas demandas climáticas está dada pelo setor de transporte, por meio de grandes esforços no sentido da eletrificação de sua frota. Neste contexto, nasceu e se desenvolve, em velocidade rápida e irreversível, a mobilidade elétrica (ME), em escala mundial.

A difusão da ME é desafiadora, visto que os avanços em soluções de armazenamentos de energia – as baterias – ainda possuem um alto custo, determinando preços de veículos elétricos (VE) em patamares muito elevados, equiparados a modelos de luxo à combustão. Diante da necessidade de um elevado investimento para a aquisição de um veículo elétrico individualmente pelo consumidor, as soluções de compartilhamento (e-carsharing) se mostram mais promissoras, ao diluir o investimento entre diversos usuários do serviço, mediante o aumento da taxa de utilização dos veículos.

Nota-se que, sendo uma determinante fundamental para a instalação do serviço de e-carsharing, a taxa de utilização dos carros está intimamente ligada à densidade demográfica e ao nível e à distribuição de renda da população da região de atuação. Na outra ponta, destacam-se os modelos de operação e de negócios, cujos mais tradicionais são:

i. One-way: Permite ao usuário começar e terminar suas viagens em locais diferentes, ainda que estes sejam estações operativas do serviço;
ii. Two-way ou Round-Trip: O usuário pega e devolve o veículo na mesma estação;
iii. Free-floating: O usuário pega e devolve o veículo em qualquer lugar; e
iv. Free Floating Operation Zone: O VE é locado e devolvido em qualquer ponto dentro de uma área especificada.

Estes diferentes modelos têm impactos operativos distintos, tanto em questão de custos operacionais, quanto em exposição a ocorrências exógenas ao negócio em si. Neste sentido, os modelos Free-floating e Round-trip podem ser vistos como antagônicos, sendo o primeiro o mais flexível, porém incorrendo em maiores custos de manutenção, visto o deslocamento das equipes de atendimento. Uma variável importante que deve ser considerada pelos modelos de negócio é a vandalização dos VE.

O objetivo deste artigo é sistematizar e analisar, ainda que sucintamente, algumas iniciativas mais expressivas de desenvolvimento do mercado de e-carsharing ofertado com veículos elétricos e em grandes centros urbanos. Para tal, serão examinadas as experiências europeias, como da Autolib e da Share Now, e nacionais: Porto Leve, VAMO, BeepBeep, etc.

II- Europa
1– Autolib
A França firmou e desenvolveu uma experiência inovadora, a Autolib. Este serviço de e-carsharing foi iniciado através da execução de uma política pública do governo municipal de Paris, expandindo-se, em sequência, para outros 89 municípios. O modelo de negócio está assentado em duas instituições:

i. Autolib Metrópole: responsável por representar os municípios; e
ii. Société Autolib: responsável por fornecer a infraestrutura de carregamento, VE e software.

Foi o primeiro serviço a utilizar VE com o diferencial de oferecer ao usuário liberdade para se deslocar com o carro livremente em um sistema Free-floating. As principais características deste serviço inovador e pioneiro que merecem ser destacados são:

i. Cobrança da tarifa de € 12 por hora;
ii. Rede de postos de carregamento com, aproximadamente, 6 mil pontos de recarga;
iii. Sistema de avaliação mútuo dos usuários quanto à utilização e manutenção dos automóveis; e
iv. Aporte de subsídios do governo, que possibilitou a expansão para municípios onde não haveria recursos para implantar o empreendimento.

O serviço chegou a contar com 4 mil VE e 150 mil usuários, mas foi descontinuado em julho de 2018 em função dos seguintes fatores:

i. Concorrência com outros serviços como o Uber;
ii. Problemas com a conservação dos automóveis (limpeza);
iii. Dificuldade com estacionamento; e
iv. Dificuldades de agendamento.

Estima-se que o déficit financeiro acumulado poderia chegar a € 293 milhões, caso o serviço continuasse a ser ofertado até o final de sua concessão.

2- Share Now
A Share Now é um exemplo de empreendimento que vem dando certo. Esta empresa é o resultado da fusão de duas companhias de carsharing que operavam o modelo Free-floating: a Car2Go e a DriveNow.

A empresa tem como principais controladores a Daimler e BMW, operando em mais de 30 cidades na Europa, Estados Unidos e Canadá. A Share Now possui uma frota de 20 mil veículos e uma base de usuários de, aproximadamente, 4 milhões de pessoas.

A fusão destas duas empresas foi um movimento relevante para o mercado, considerando que a nova empresa realizou investimentos para criar novos serviços no segmento de mobilidade, como o serviço MaaS, que engloba:

i. Ridehailing: carona;
ii. Estacionamento: Parking Now;
iii. Carregamento: Charge Now; e
iv. Compartilhamento de veículo: Share Now.

Um dos destaques da fusão foi o compromisso da nova empresa em investimentos para a ampliação da eletrificação da sua frota.

III- Brasil
No Brasil, já existem algumas experiências de e-carsharing em diversas regiões do país. No Nordeste, duas experiências merecem destaque. A primeira é denominada Porto Leve, em Recife, que operou entre 2015 e 2018, no Porto Digital, um dos principais parques tecnológicos do Brasil, e foi utilizada como laboratório urbano e aberto ao público em geral. Neste projeto, foram utilizados VE com capacidade para 2 passageiros, da marca chinesa Zhidou. O usuário podia retirar o veículo e devolvê-lo em uma das estações localizadas dentro do parque tecnológico.

Outro projeto é o VAMO, fundado em 2016 envolvendo parceria entre a Prefeitura Municipal de Fortaleza, o Sistema Hapvida (patrocinador do projeto) e a Serttel (responsável pela operação e manutenção). O sistema possui 18 estações de recarga e os VE só podem circular dentro dos limites da cidade de Fortaleza. As etapas do serviço, focado nos usuários e com base em um aplicativo, são as seguintes:

i. Comprar o passe;
ii. Visualizar a localização das estações de recarga;
iii. Agendar o VE;
iv. Controlar as portas;
v. Gerenciar o uso do VE; e
vi. Verificar os dados da viagem.

Em São Paulo, um dos exemplos de e-carsharing é a empresa BeepBeep, startup que iniciou suas atividades em 2019. Os VE são do modelo Renault Zoe e ficam localizados em estabelecimentos parceiros, como supermercados, condomínios corporativos, shoppings e hotéis. O VE pode ser devolvido em qualquer estabelecimento e o usuário é cobrado por tempo de uso.

Outra vertente de desenvolvimento da mobilidade elétrica no Brasil está relacionada às montadoras oferecendo serviços de e-carsharing. Neste modelo, destaca-se a Renault, que lançou, em 2019, um projeto de mobilidade compartilhada exclusiva para seus empregados. Por meio do aplicativo Renault Mobility, foram disponibilizados para uso compartilhado 10 VE Renault Zoe, 24h por dia e em qualquer dia da semana. A retirada do veículo elétrico é realizada na própria fábrica da Renault, em São José dos Pinhais, no Paraná.

Em outro projeto, a Renault, em parceria com a MRV Engenharia, criou em 2018 o e-carsharing MRV SIM (Sustentabilidade, Inovação e Mobilidade). Os moradores de alguns empreendimentos com energia fotovoltaica da construtora, um localizado em Belo Horizonte (MG) e outro em São Paulo (SP), passaram a poder utilizar de forma compartilhada veículos Renault Zoe. Um dos principais objetivos do projeto é avaliar o comportamento do usuário com o VE compartilhado.

Por fim, a Nissan do Brasil iniciou um programa-piloto de e-carsharing, utilizando o Nissan Leaf, direcionado aos empregados das áreas administrativas dos escritórios de São Paulo e da fábrica de Resende (RJ). Este projeto piloto tem como base a experiência realizada no Japão, em 2018, onde a Nissan lançou o programa e-Share Mobi.

IV – Conclusões
A experiência internacional demonstra e atesta o desafio do compartilhamento de veículos elétricos em centros urbanos, quer seja pela complexidade da operação, quer seja pela necessidade de se ganhar escala para a viabilização econômica do serviço.

No Brasil, os desafios não são menores, pois, além dos mencionados, se acrescentam os altos custos dos VE e a falta de confiança e cultura dos consumidores, derivada da ausência de postos de carregamento em locais públicos, tendo em vista que esta infraestrutura de recarga ainda é incipiente. Iniciativas como o Porto Leve, que já não opera mais em Recife, e o VAMO, que ainda conta com uma estrutura modesta de 18 pontos, reforçam esta análise. Por outro lado, em São Paulo, o BeepBeep conseguiu se estruturar por meio de parcerias com estabelecimentos comerciais e, assim, vem ganhando escala e mercado.

O movimento das montadoras automobilísticas indica que os projetos e programas de e-carsharing poderão servir como uma estratégia para atender aos consumidores de grandes cidades e, ao mesmo tempo, disseminar o uso e a venda de VE de suas respectivas marcas. Além disso, é uma forma de fazer frente às startups que passaram a atuar nesse segmento. Entretanto, o desaparecimento precoce de algumas startups pode indicar que o melhor modelo de negócio é a união entre empresas conhecidas e estabelecidas e empreendedores com foco em tecnologia digital e dispostos a correr mais riscos.
Por fim, destacam-se três desafios.

O primeiro é a questão da qualidade no oferecimento do serviço. A experiência da Autolib é um sinal de alerta para os projetos não descuidarem com a conservação dos VE, pois foi um dos principais fatores do insucesso do empreendimento francês.

O segundo desafio para os empreendedores no modelo de negócio Free-floating é conciliar a preferência dos usuários por este modelo, o qual proporciona maior liberdade de uso, porém apresenta maior complexidade e encarece a operação.
O terceiro e decisivo desafio para os modelos de negócio é o apoio dos governos municipais, no sentido de regulamentar, por exemplo, o uso dos espaços públicos para dinamizar o serviço de e-carsharing. Dado o caráter inovador e disruptivo desta nova tecnologia de serviço de mobilidade elétrica é muito importante e estratégica ações de cooperação e intercâmbio de conhecimento de experiências nacionais e internacionais a fim de subsidiar as políticas públicas e inovações regulatórias.

Nivalde de Castro é Professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do GESEL – Grupo de Estudos do Setor Elétrico. Marcelo Maestrini é Pesquisador Pleno do GESEL-UFRJ e doutorando de Economia da UFF. Paulo Maurício Senra é Pesquisador Pleno do GESEL-UFRJ e doutorando do PPE-COPPE-UFRJ. Ceres Cavalcanti é Pesquisadora Associada do GESEL-UFRJ. Luiza Di Beo Oliviera é Pesquisadora Associada do GESEL-UFRJ

Fonte: CanalEnergia

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