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“A tecnologia virou ‘core’ de muitos negócios”

O santista Andre Petenussi, de 40 anos, começou a ganhar o próprio dinheiro aos 14, criando sistemas para locadoras de vídeo (lojas extintas, que alugavam filmes em fitas VHS, que eram assistidas em aparelhos de videocassete, o precursor do DVD, e também em extinção). Na época, em 1994, Petenussi nem considerava os softwares que escrevia como trabalho. A programação ainda soava como brincadeira, assim como tudo o que tinha a ver com o computador que ganhara do pai aos 12 anos – um “legítimo” PC comprado no Paraguai, onde os equipamentos ainda eram muito mais baratos do que no Brasil.

Atualmente, Petenussi é CTO da Localiza, a maior empresa de locação de veículos do país e uma das maiores do mundo. No seu caso, o “T” da sigla de seu cargo não significa apenas “Technology”, mas também “Transformation”. Sua missão é conduzir a transformação digital da empresa e inovar constantemente para que a Localiza seja reconhecida como uma empresa de mobilidade, não como locadora de carros. “A transformação digital é também cultural, não só tecnológica”, afirma. Leia os principais trechos da entrevista: 

A área de tecnologia da Localiza cresceu muito, de cerca de 140 profissionais para cerca de 700, e ganhou o nome de Localiza Labs após a sua chegada. Por quê?
A Localiza tinha um modelo bem diferente do que a gente roda hoje aqui em tecnologia. Era um modelo mais tradicional, de desenvolvimento de aplicações e serviços digitais com parceiros. Meu time tinha umas 140 pessoas, com muitos terceiros. Eu não tinha nenhum desenvolvedor. Até fevereiro de 2019, quando cheguei na companhia, meu time basicamente preparava as demandas e trabalhava com os times de negócio, e essas demandas eram executadas como projetos por empresas parceiras. Minha missão é acelerar o processo de transformação digital, então, decidi que a competência de tecnologia é uma competência “core”, realmente central para o desenvolvimento de negócios digitais.

Você quer dizer que tecnologia é “core” da Localiza?
Sim, porque a experiência que o nosso cliente demanda é uma experiência cada vez mais digitalizada. A natureza do trabalho de tecnologia mudou. Pense no papel das áreas de TI há 20 anos. Eram áreas que suportavam sistemas e aparelhos escritos e criados para gerir processos internos de empresas. Então, há 20 anos (excluindo o e-commerce), a área de tecnologia estava desenvolvendo sistemas para os funcionários de empresas trabalharem com processos corporativos, como um sistema de folha de pagamento, de cobrança etc. Creio que a grande mudança acontece quando as áreas de tecnologia passam a construir sistemas para o cliente final. A tecnologia precisa ser core business das empresas que têm contato direto com o cliente. Isso demanda um novo modelo de operar a tecnologia.

Como é esse modelo?
É muito mais focado em experimentação e em escuta ativa do cliente para entender o que ele precisa. É um modelo em que a área de tecnologia e a que opera o negócio precisam pensar juntas no que fazer e como fazer. É diferente do modelo anterior, em que a área que opera o negócio pedia um formulário “xyz” que fizesse uma determinada operação, e o time de tecnologia simplesmente codificava o pedido. Em vez de ter times temporários de tecnologia escrevendo um projeto, temos squads (pequenos times) dedicados às diversas atividades da cadeia de valor da Localiza.

Vocês dividem a equipe do Localiza Labs por área de negócio, é isso?
Sim, fatiamos a cadeia de valor inteira da companhia e alocamos times de seis a oito funcionários em cada uma dessas fatias. A reserva de veículos, por exemplo, é uma parte da nossa cadeia de valor. O cliente vai lá e reserva o carro com a gente. Então, tem um time nosso que cuida disso. Outro cuida de pagamento de multa, outro cuida de ativação de carro e por aí vai. E esses times não estão mais olhando o sistema, eles estão olhando a parte da cadeia de valor que influenciam – obviamente, com todos os sistemas que estão envolvidos com aquela parte. Por isso, juntamos os squads em tribos. Temos uma tribo que cuida da “jornada do carro”, ou seja, é responsável desde a compra do carro até seu envio para o nosso negócio de seminovos. É aí que a tecnologia deixa de olhar o projeto para começar a olhar o produto. Isso muda toda a dinâmica, porque a gente começa a acompanhar indicadores daquela parte da cadeia de valor do negócio para tomar decisão de priorização, para conseguir fazer planejamentos em menos espaço de tempo, para ter ciclos de experimentação com o cliente ou com o principal usuário daquele software e poder testar coisas muito mais rapidamente.

Essa dinâmica facilita a inovação?
Sem dúvida. Em vez de trabalhar três meses no projeto A e seguir para o projeto B, o profissional está dedicado a uma parte do negócio. Tem a oportunidade de fazer pesquisa com o cliente e de experimentar. Então, pegamos os dados e tentamos entender se aquilo foi positivo ou negativo. Você começa a conhecer mais profundamente, apoiado em dados, o que o seu cliente espera daquele negócio, e como você consegue influenciar a geração de valor para a companhia ali. As ideias surgem de uma maneira mais orgânica.

Pode me dar um exemplo de inovação que surgiu assim, de maneira orgânica?
O Localiza Fast. É um aluguel 100% digital, em que o cliente faz todo o processo dentro do aplicativo. Faz a reserva e pega o carro sem precisar passar no balcão. Ele vai direto ao estacionamento, tira uma selfie pelo celular, abre o carro com o aplicativo e vai embora, sem precisar falar com ninguém. É uma experiência muito fluida, muito conveniente, sem passar por fila. A gente é a única locadora na América Latina com esse tipo de serviço. Ano passado, lançamos o Localiza Pass, criado em parceria com a ConectCar, para que o cliente que alugar nosso carro possa passar direto por pedágios e estacionamentos sem fila. É uma conveniência danada para o cliente. Há alguns anos, percebemos o crescimento de uma persona – que é como tratamos os vários tipos de clientes que temos –, que é o motorista de aplicativos. Decidimos criar uma divisão de sistemas dedicados a esse cliente. Foi aí que nasceu o Localiza Driver, um aplicativo que agenda a manutenção do carro, hora de fazer a troca e diversas funcionalidades.

Inovação pode significar várias coisas, dependendo da empresa. O que significa para você na Localiza?
Inovação é cultura, e aqui na Localiza faz parte do DNA da companhia. Digo isso porque, há 48 anos, os fundadores dessa empresa decidiram financiar seis fuscas para começar um negócio de aluguel de carros, exemplo da economia de compartilhamento. Isso mostra o quanto a inovação está presente na cultura da empresa. Para mim, inovação significa conhecer a fundo a jornada do nosso cliente para buscar melhorias para sua experiência, seja em novas soluções de mobilidade ou mesmo na melhoria de processos internos que vão contribuir para o negócio como um todo. É ter um olhar atento e curioso para o trabalho que é realizado, além de ter ousadia e coragem de se abrir para novas formas de fazer algo.

Inovação e tecnologia se confundem muito, mas inovação não requer necessariamente tecnologia, certo?
Muitas inovações têm na tecnologia um meio para sua realização. São dimensões que estão diretamente ligadas. A inovação vem de um lugar de dedicação e de vontade de fazer diferente e melhor. É uma competência desejável em qualquer time para se criar algo novo e que gere valor, independentemente do grau de inserção de tecnologia de ponta, digital ou não.

Pode contar sobre um projeto que deu errado?
É bem difícil falar sobre projetos que deram errado, porque o nosso modelo é baseado em agilidade e preconiza uma evolução contínua, incremental, com ciclos frequentes de experimentação e feedback com clientes. Isso faz com que os erros sejam pequenos e com possibilidade de correção de rota, ou até abandono da ideia, sem um grande investimento de tempo e dinheiro em uma solução inteira. Ou seja, o que deu errado na realidade virou um investimento pequeno, uma oportunidade de aprendizado, e seguimos para o próximo desafio.

Já apostou em alguma tecnologia que não vingou?
Em um cenário de crescimento contínuo e forte competição, como no mercado em que atuamos, é claro que, por vezes, fazemos escolhas técnicas baseadas em algum nível de pesquisa que acabam se revelando não ideais. Além disso, algumas vezes tomamos decisões técnicas e dentro de pouco tempo uma nova tecnologia é lançada, com um potencial maior para a resolução do problema em questão. Isso faz parte da natureza do trabalho de gestão de tecnologia de uma empresa. Aprendi que experimentar e testar rápido sempre faz mais sentido, aprendemos com a jornada, e seguimos em frente. Qualquer definição técnica tomada hoje vai ser desafiada pelo tempo, ou seja, por novas tecnologias e novos paradigmas.

Por Roberta Paduan

Fonte: Época Negócios

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